11 agosto, 2008

A Mulher que Sabia Demais

O empregado sorri, eternamente amarelo aquele sorriso, tão artificial como a rosa que resiste – sabe-se lá há quantos anos – naquele vasinho ridículo. A vela, tão caquética como a cadeira em que me sentei – nem sei como ainda não me estatelei no chão, confesso – deixa, mirradamente, entrever um pequeno calor azulado, de quase morte. Copos que tilintam e talheres que batem efusivamente em porcelana chinesa. Guardanapos esfarrapados, vício que tenho, compulsivo, quando algo que não me agrada está prestes a acontecer. E acontece.

Ó como sou certinha nas coisas que me acontecem – ruins, sublinhe-se -, nunca antes de me acontecerem as coisas mais simpáticas sinto o formigueiro redemoinhar o estômago, entranhar-se na pele e fazer-me ganhar a cor de uma menina de cabaret enquanto dá largas ao erotismo da sua dança. Nunca prevejo uma proposta indecente mascarada de elogio, nunca pressinto a noite em que a minha colega de casa chegará com um belo tinto e uma mão cheia de peripécias para partilhar, pela noite dentro. Nunca acerto com os dias de exibição dos meus filmes favoritos, nem tão pouco com o lançamento de um livro há muito esperado. E nunca, mas nunca, consigo perceber que em tal dia acordarei, com um belo espécime masculino ao lado, perfeito – tanto quanto um homem o consegue ser –, com um sorriso de cair para o lado – eu perco-me em sorrisos masculinos, o que querem? – e uns olhos que apelam ao canibalismo.

Bolas.
Numa mesa atrás de mim, um puto ranhoso, não lhe dou mais do que cinco anos de idade, mira-me com desprezo e tenta acertar-me com bolinhas de pão besuntadas em manteiga, e berra, berra como tudo, quando não acerta – o que, de facto, nunca veio a acontecer, na hora eterna que aquela amostra de criatura procurou o triunfo entre o meu cabelo encaracolado e o meu vestido que se mancha com qualquer merdinha que lá caia…. Pois é.
O formigueiro começou já quando me preparava para sair. Desci as escadas repetindo em ladainha que era só uma parvoíce, ia ser um jantar igual a tantos outros, provavelmente sairíamos depois, talvez acabasse em outras coisas que não vêm aqui ao caso. Pois é.
E lá fui eu, pé à frente do outro, mão metida na mala a verificar pela milionésima vez se tinha as chaves de casa, o gloss, o khol dos olhos, o bloco de papel e a caneta, de que nunca me separo. Entrada no carro. Conversa do costume. Segurando o formigueiro, segurando o formigueiro. Impossível. Formigueiro cresce. Semáforo vermelho. Formigueiro sobe, sobe, sobe. Semáforo ainda vermelho. Conversa da chacha entrecortada por silêncios pesados. Suspiros infindáveis. Semáforo eternamente vermelho. Conversa completamente desnecessária. Mão na mala a verificar pela milionésima primeira vez se lá tenho tudo. Pergunta estúpida. Semáforo verde.
Foi uma viagem interminável, essa. Quem me conhece sabe que odeio conversar por conversar, tal como odeio que me façam perguntas estúpidas e sem sentido. Quem me conhece, e são bem poucos esses, sabem que sou volátil, inconstante, alguém cujas acções nunca por nunca são expectáveis. E quem me conhece muito bem, sabe que basta uma palavra para o meu mundo mudar e para eu querer mudar o mundo dos outros. E não da melhor maneira entenda-se.
Chegada ao restaurante mais ridículo que conheci. Diz que é acolhedor e deserto, diz. Eu cá chamo-lhe outra coisa. Mas paciência, o descabimento de uma reserva feita num restaurante permanentemente vazio é um mistério que não quero nem tenho paciência para descobrir.
Ponto número 1 – Não consigo conceber que lá por pertencer ao sexo feminino, tenho o gosto em que me abram portas. Na graça do Santíssimo, sou perfeitinha – tenho dois braços, duas mãos, duas pernas e dez dedinhos perfeitamente saudáveis. Muito menos a parvónia do mulheres primeiro. Isso é completamente dispensável – se me apetecer vou à frente, se me apetecer vou atrás. A cortesia, meus caros, não reside nessas pequenas e dispensáveis coisas que inventam para agradar a uma mulher. Muitas poderão gostar dessas merdinhas, como eu lhes chamo, mas muitas olharão para vós como um perfeito parvo que ainda não percebeu que vive no século vinte e um.
Ponto número 2 – Se me convidas, chamas tu o empregado. Se me convidas tratas tu do pedido. E mesmo que não me convides sou eu que escolho o vinho porque tu só percebes de cerveja. Entendido? Perfeito. E lá começa a conversa de encher perus, eu a ver aranhas bem instaladas nas paredes do “acolhedor” local de repasto, pozinho de meses a deambular pelas cadeiras e mesas vazias. E um terrível puto de cinco anos, que acabou de encontrar a sua vítima da noite.
Ponto número 3 – Tu fazes o pedido mas sou eu que escolho o prato. Se alguém não percebe, após três encontros, que não pedimos Pato à Pequim porque não gostamos nem de pato, nem da mistura da fruta com comida salgada.... é porque, sinceramente, não ouve, ou pura simplesmente se está a borrifar. Depois de três encontros descubro que alguém considera normalíssimo fazer um pedido sem me consultar. Depois de três encontros descubro que o formigueiro que já se tinha instalado no meu cérebro vinha agora para ficar. E nem sequer tinha ainda pedido o vinho…

1 comentário:

  1. Anónimo9/9/08 19:20

    Cómico... Quase me senti no interior de um cérebro feminino, com todo o emaranhado de comunicação e cenários que isso implica, claro!

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