20 julho, 2007

O Muro II


Dias e noites passavam sem que o Muro mostrasse qualquer ponto fraco – Narima investigava minuciosamente cada detalhe, cada reentrância, pois cada buraquinho por mais banal e minúsculo que fosse poderia simbolizar a passagem para o lado de lá. Mirmara observava-a, calada, com os seus grandes olhos verdes, e imaginava as peripécias que as esperariam do outro lado.
“E se convocássemos o Conselho?” – disse, após um longo silêncio - “Tu estás a regular bem, ó bruxinha? Parece que esses teus olhos não te dão grande inteligência, livra! Então achas mesmo que se o Conselho deixasse ir qualquer um para o Outro Lado este Muro estava assim? Sem porta, sem nada? Não sei se já reparaste mas nem guardas há aqui, o que é muito estranho para quem diz que o Muro suporta um grande perigo…Tira essa ideia da cabecinha e ajuda-me é a procurar o raio de um ponto fraco!”. Dito isto, Narima abanava a cabeça, pensando para com os seus cabelos ruivos que idiota de parceira no crime teria arranjado, quando Mirmara voltou a propor que convocassem o Conselho dos Anciãos – “Mas ouve lá, tu não me ouviste até ao fim… Então e se fizéssemos uma coisa tão má, tão má…Tão má que nos expulsassem de Nunca Vi e o castigo fosse atravessar o Muro?”. Narima parou a sua busca, olhou Mirmara de cima abaixo – tão abaixo quanto era possível do alto dos seus dois metros – e sorriu. “Talvez não sejas assim tão tonta, ó bruxinha…Mas que coisa tão má haveremos nós de fazer para enfurecer o Conselho? Ou já te esqueceste que aquilo é um bando de gente mole? Toda a gente lhes dá a volta com uma pinta… Bastavam as tuas tias começarem a pedinchar, a minha avó a berrar e ia o plano por água abaixo! Não pode ser uma coisa qualquer…”
“Pois não, lá isso tens razão… Mas se começássemos a falar do Muro a toda a gente, se tentássemos fazer com que as pessoas questionem o motivo por que o Muro existe, talvez consigamos – além disso, lembrei-me que podíamos começar pelos pirralhos…esses são os mais impressionáveis e já sabes que se descaem logo… se aterrorizarmos os putos ao ponto de massacrarem os pais com perguntas – e tu sabes que os pais odeiam perguntas, sobretudo quando não sabem a resposta – os pais ficam aterrorizados ao ponto de começarem a pensar como descalçar a bota de não saberem responder aos filhos – e tu sabes que os pais nunca gostam de passar por parvos – e começam a perguntar de boca em boca até aterrorizarem o Conselho… que nos convoca e expulsa. Que tal?”. “Hum…meia-leca, sinceramente não sei… os putos já passam por tremores quando me vêem… fogem logo! Hum…mas não é mal pensado… De modo que vamos ser mazinhas e revolucionar Nunca Vi… Eu sempre gostei do Che, mas nunca me vi como uma revolucionária! Vamos lá a isso!”.
Em três dias e três noites, Mirmara e Narima tornaram a pacífica Nunca Vi num pequeno Inferno dantesco, numa torre de babel em ponto pequeno em que ninguém se entendia. O plano correra-lhes como esperado – os olhos verdes de Mirmara e a altura gigante de Narima chegavam para aterrorizar os pequenos Nunca-Vistos que, ao ouvirem as histórias que inventavam sobre o Muro, ficavam de tal modo esgazeados que houve quem não dormisse uma semana. Os pais Nunca-Vistos começaram a aparecer irritados durante a manhã, cansados e preocupados durante a tarde e completamente fora de si durante a noite. E de Nunca-Visto em Nunca-Visto, o interrogatório sobre o Muro foi aumentando, infiltrando-se nas casas, corroendo as famílias, deitando por terra qualquer argumento dos Anciãos. E assim, ao quarto dia, Mirmara e Narima foram levadas pelos guardas ao Conselho, onde as esperava toda e qualquer forma de vida da aldeia de Nunca Vi.

(continuará...)

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