Todos os dias, o rapaz saía à rua. De cabelo abandalhado, óculos escuros, casaco castanho coçado, cigarro ao canto dos lábios, trauteando um qualquer hino heavy metal. Os passos contavam-se largos mas lânguidos, próprios de quem encara o dia como uma eterna segunda-feira. Ao seu lado, um pequeno chihuahua, trotava alegremente, embevecido pelas largas ruas solarengas, soltando de quando em quando um latido maroto, em resposta a um jeitoso espécime canino. À passagem do estranho duo, os transeuntes entreolhavam-se, deixando-se mirar a combinação exótica dos dois lados do espelho. Uns riam-se. Outros, mais velhos, abanavam a cabeça, maldizendo a juventude enlouquecida.
01 abril, 2009
Diz quem viu...
27 setembro, 2008
25 setembro, 2008
O Elevador

Primeira saída. Perfume barato de bazar chinês. Segunda saída. Doceiro de bolas de berlim, mistura de suor e chili com carne...hmmm, não... caril de frango. Terceira saída. Casal de namorados derramando feromonas para o que desse e viesse. Entrada. Old Spice quarentão. Quarta saída. Credo, nem sei o que é isto! Quinta saída. Senhora com misse a desafiar perigosamente as leis da gravidade. Combinação perigosamente tóxica - laca, perfume, desodorisante, creme de mãos, verniz de unhas, amaciador da roupa perfumado e... oh! Vinho do Porto às 10 da manhã?! Por amor à santa!
A multidão mingou: três pessoas. Ela põe-se à vontade, olhando com alguma insistência o indicador do andar. Nem sei se o pior é o cheiro, se este silêncio obtuso. Sexta saída. Adolescente recém-iniciado na arte de perfumar. Boss. Tomou banho com ele, só pode!
Até ao décimo-terceiro andar, o elevador prosseguiu viagem sem paragens. Depois, quando a porta se abriu, o Old Spice quarentão vira-se para ela e diz-lhe - a senhora sabe que não pode mendigar por aqui? Isto não é lugar para sem-abrigo, não. Tome lá dois euros, veja se toma um bom banho, que bem precisa! Ponha-se a andar daqui ou chamo a Segurança! Ela fungou, na saída do homem, e gritou, enjoada: Não é Old Spice não, é Bosta de Cavalo, mesmo!
19 setembro, 2008
Procura-se
Pureza procura-se por razão perdida
Depois de mirone em cantos e avenidas
Decidi que um anúncio bastaria
Para a reaver.
Semana 1 Pureza procura-se.
De alvos cabelos e riso cristalino
Que saiba dourar alegrias
E cristalizar maus momentos.
Semana 2 Pureza procura-se.
Que saiba bem afagar
Dá um jeitaço que dance a valsa
E quem sabe também o tango…
Semana 3 Pureza procura-se em qualquer canto.
Há necessidade urgente de a rever.
Recordar-me os bons momentos
E sentá-la ao colo das minhas divagações.
Semana 4 Pureza, que saibas ler em verso
ou prosa não interessa.
É importante que saibas sorrir
Mas também chorar.
Semana 5 Procura-se pureza.
Razão divina.
Difícil aqui explicar.
Dão-se alvíssaras a quem a encontrar
Semana 6
De tanto a procurar perdi-me
Voltei a mirar os cantos, as avenidas
Decidi que um último anúncio bastaria…
Pureza onde estás, por que não vens?
18 setembro, 2008
Perguntas desnecessárias
Sabem bem quando sentem aquele espanto inicial e depois ficam quase zangados eternamente quando alguém vos pergunta porque fazem uma coisa? Pois. Devem saber. Ou pelo menos aqueles de vós que faz algo único que vos preenche totalmente, ou que simplesmente o fazem porque de outra forma não seriam vocês mesmos. Pois. Acredito que conheçam a sensação. Eu estou sempre a tê-la. Sobretudo quando oiço frases como: "Porque escreves?", "Porque escreves essas coisas?", "Sabes que isso não te dá dinheiro nenhum?" ou a pérola das pérolas: "Sabes que os escritores só ficam famosos quando morrem?" E respondo, suspirando pacientemente, pois ouvi o mesmo quando me dava ao trabalho de pintar, embora nunca o tenha encarado como carreira. E lá jeito havia - eu sei, sou modesta. Muito. Tanto o sou que calo baixinho os nervos. Não gosto de perguntas desnecessárias. Nunca gostei. Perguntas como as que respondo com um sorriso meio amarelo e uma angústia triste, porque não se consegue explicar a quem nos pergunta uma coisa do género o que é escrever, o que é formar um universo paralelo, o que é ver ali palavras juntas que transmitem alguma coisa a quem o lê. De verdade, o que me apetece responder, quase enraivecida, é: Se eu não escrevesse, morria ou Se eu não escrevesse eu não seria eu. Muito dramático, não é? Mas é simplesmente,isto. Não há mistério algum. Parece-me simples. Talvez não seja tão simples, talvez seja mais complexo que tudo isso, mas a verdade é essa e não vem mal nenhum ao mundo se me apetecer perder a maior parte da minha vida a escrever algo que ninguém irá, muito provavelmente, ler. Como este post...