05 agosto, 2008

O Monstro

Suspirava, suspirava, suspirava. O monstro esperava e suspirava, impaciente, pela próxima presa, que não havia meio de aparecer. Se o vissem na rua, quase de certeza se deixariam enganar pela sua aparência simpática - um jovial quarentão, em boa forma, dócil no trato e muito conversador. Diziam que tinha muitos amigos. Diziam que era um vizinho exemplar. O monstro sabia de tudo isso e congratulava-se interiormente. Era tão fácil enganar os homens. As mulheres. Mas nunca as crianças nem os animais...
Certo dia, deambulava pelo parque, numa das suas incursões em busca da próxima vítima.


Encontrou um amigo dos velhos tempos de adolescência inconsciente e louca, acompanhado de uma família em expansão. A esposa do amigo, loírissima e elegante, conseguia, apesar dos seus oito meses de gravidez, deixar transparecer o seu porte de bailarina, simpatizou desde logo com o monstro, pensando para si que até que enfim o marido lhe apresentava uma pessoa decente, dos seus tempos idos. Os outros eram todos patéticos, rematou para os seus botões. Depois de vinte minutos de recordações e perguntas da praxe do como-é-que-está-fulano-ou sincrano-já-não-o-vejo-há-imenso-tempo, um puto de óculos azul eléctrico, com os seus cinco anos de idade, mais coisa, menos coisa, correu para junto do trio que acabava de rir a alto e bom som, sucumbindo à má língua dos velhos tempos de escola. Reclamava atenção, gritando para o pai, exigindo-lhe que fosse jogar à bola, como lhe havia prometido. Foi então que o monstro olhou para o puto. E o puto olhou o monstro. Viu-lhe nos olhos qualquer coisa de estranho, de maléfico. Algo que uma criança nunca consegue explicar. Fugiu, para longe, deixando o monstro de mão esticada para o cumprimentar, à homenzinho, gritando um nem penses nisso, tu és mau!, para perto de um carvalho secular.
E assim o monstro descobriu que, para além dos cães, dos gatos e do papagaio residente do seu prédio, havia, afinal, quem não conseguisse enganar. Os cães rosnavam-lhe ao passar, ameaçando instantaneamente um ataque que lhe deixaria marcas inesquecíveis, os gatos enlouqueciam, assanhando-se na sua presença. E o papagaio da velhota do 5º F, que lhe conhecia tão bem os hábitos, sem ele perceber muito bem como, desatava aos impropérios assim que acabava de subir as escadas do prédio. Assassino, reles, és um monstro. Monstro. Monstro! Sempre a mesma lengalenga, durante os quinze minutos seguintes, até a dona o acalmar sabe-se lá como. Depois o toque da campainha e as mil desculpas de D. Ximena, desdobrando-se em vergonha e indignação. Nunca se descobriu como aprendera o papagaio Tony aquelas palavras, nem nunca ouve explicação para aquele ódio do animal.
Mas o monstro sabia porquê. As suas vítimas sabiam porquê. A lua e as ruas escuras, o parque abandonado à noite, o rio que acolhia os corpos mutilados e deformados de pavor.
E o monstro espreita, suspirando. Procurando a sua próxima vítima. Alguém que se deixe levar pelas aparências e lhe confie a vida naquela que será a sua última noite...
Tenha cuidado, muito cuidado... Não vá ele andar por aí, à sua espera...

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