07 agosto, 2008

Duas pessoas

Os olhos, dizem, falam sempre mais alto. Esquecem-se dos gestos que marcam tudo o que somos, tudo o que queremos, tudo o que nos define enquanto gente. Sobrevalorizam as palavras, diria ela. Sobrevalorizam o toque, diria ele. Fariam caretas, debitariam o humor sarcástico sobre elas e fariam assim uma anedota – as palavras e o toque não valem nada, resumindo.

Se a víssemos em privado, observada a microscópio, saberíamos que para ela as palavras valem tudo.

Reafirmam o toque, iniciam os lábios na sede de bem querer, desafiam o cérebro a um estado quase mágico de excitação. E acendem o desejo.
O mundo dela é feito de palavras, por muito que o negue. E sabemos bem, nós que a conhecemos sem ela saber, que as palavras explodem no seu interior como bombas, transformam quimicamente as suas células. E desenvolvem o amor.
A ele, que o vemos por aí deambulando pelas ruas, sempre de sorriso estampado, temo-lo marcado a compasso. Decorámos as suas falas e os seus gestos. Rimos em cavaqueira e conhecemo-lo melhor, mas tão melhor do que ele julga. Quase poderíamos, dizemos brincando, delineá-lo a lápis e desenhar-lhe a sina na palma da nossa mão. Sem toque, ele não existe. Sem toque, as lâmpadas fundem-se ao seu passar. Sem toque acaba-se a sua verdadeira essência e regressa aquele outro que fica bem aparecer. E extingue-se o desejo. Segredamo-vos, cheguem perto… o toque, é para ele a explosão de mil estrelas, a expansão do Universo, o rasgo de um arco-íris imenso na escuridão. E assim surge o amor.
Fariam caretas. Multiplicar-se-iam em humores sarcásticos e palavras ocas. Repetidas uma vez, e outra, e outra, até que em todas as outras noites saberiam de cor o que diriam um ao outro. Os olhos, dizem, falam sempre mais alto. E, na eterna repetição dos dias, eles nunca ficarão juntos. Serão sempre uma anedota – afinal, as palavras e o toque não valem nada, mesmo…

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