04 dezembro, 2005

Nox


Não.
Não foi difícil acordar e perceber, finalmente, que tudo mudara.
Não foi difícil livrar-me desta enxerga morta, deitá-la ao lixo e substituí-la por um outro ritmo de sensações e sentimentos.
Nem me dei conta, confesso.
Não me dei conta que me mudara para um outro corpo, para uma outra mente. Simplesmente empacotei tudo e deitei-me ao lixo, rumo a uma incineradora qualquer.
Esta noite reveste-se de um sabor estranho, de um anseio de liberdade desconhecida. Ergo as mãos, a cabeça, e sigo rumo a lado nenhum... Algo fervilha, não-sei-o-quê...
Caminho sem nexo, descontando os segundos de uma hora anunciada e tento lidar com o borbulhar mágico que sinto cá dentro, inventando maneiras de não me desarmar.
Poderia não ter acontecido nada.
Teria acordado, como sempre, de sobressalto, no meio de um pesadelo sufocante. A água ter-se-ia bebido, o corpo ter-se-ia acostumado ao prenúncio de mais um dia como todos os outros. Com toda a certeza, sairia e, como mil outras madrugadas, perder-me-ia por entre o vazio do nevoeiro.
Este despertar mudou-me.
Esta noite não ouvi a coruja, o ranger da madeira nem o uivo do lobo. Esta noite foi de calma e de sonho, imagine-se. Nem sequer senti o constante e tão habitual arrepio ao aproximar-me da lareira, nem da biblioteca, nem da bancada da cozinha.
Quando vi a Sombra, já em mim não existia nada, medo ou terror, nem sequer o impulso de implorar pela vida, como em todas as outras noites.
Não.
Não foi difícil vê-la aproximar-se nem ouvi-la sussurrar "Morte" ao meu ouvido. Senti-a abraçar-me como nunca ninguém o tivera feito... e não tremi.
by Lunaris

1 comentário:

  1. hmm, perdeste o medo pela morte...

    adorei o que escreveste, mesmo lindo! so espero um dia conseguir escrever algo assim com tanta qualidade!!

    beijinho *

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