16 novembro, 2005

Dez minutos

Falava de modo calmo e moderado. Os gestos perdiam-se na cortina de fumo, quando soltei um sorriso. Apercebi-me de repente. Com esse gesto acabara de denunciar a ternura que nunca revelava.
Abruptamente, levantei-me e fingi procurar um cinzeiro limpo. Sentia-lhe os olhos a medir-me os gestos e a insegurança. Nesse breve espaço de tempo, ri-me de mim e decidi não me deixar levar. Não podia.
Por entre o turbilhão de mesas e a confusão de gente, lá encontrei um pequeno cinzeiro incólume e apanhei-o, para não regressar derrotada... transparecer fraqueza já era demais para mim...
De regresso, sorriu-me com olhar curioso e perguntou-me se queria ir embora. Com ele.
Sentei-me lentamnte e disse-lhe que não. Os olhos escureceram e os gestos tornaram-se rígidos. Não insistiu. Despediu-se sem palavras, apenas com um beijo amargo.
Percebi que não iria voltar a vê-lo... E nunca mais o vi.
Foi nele que pensei assim que acordei. Abri os olhos e vi-o sobre mim. Fazia amor apaixonadamente. Sempre. Às vezes sentia-me mal por não conseguir retribuir a tanta ternura desmedida, a tanta paixão consumidora... mas nunca lhe escondi o caos de que era feita nem a minha impossibilidade de amar... Nunca senti mais do que uma doce atracção, mas ainda assim não deixou de tentar. Nunca.
Tocava-me sempre como se fosse a primeira vez que me visse, que me sentisse. Que me tivesse... Mas não consegui continuar. No fundo, acho que talvez um dia, por breves instantes, o tenha amado. De uma forma muito distorcida e distante da dele. Talvez ele soubesse isso ou sentisse...
Depois dessa tarde nunca mais se sentou na mesa de canto do café, à espera que eu chegasse. Nunca mais voltaram os dez minutos que percorriam a observação e a arte de fazer desejar, como só ele sabia fazer... Olhavam-me indefinidamente, sempre de cigarro na mão, durante precisamente dez minutos.
Depois, levantava-se, pedia o seu café e vinha até mim. Em silêncio.
Foi assim que o conheci...

by Lunaris

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