28 agosto, 2008

Caos

Na fonte, a luz. E a voz que nunca parava de sussurrar a mágoa que sentia. O vento preso em cativeiro. A lua encerrada na escuridão. E a voz ficou, mergulhando-a no silêncio nocturno das corujas e dos corvos que nunca dormem.
Na fonte, a Tal. E os cabelos que vagueavam rumo a lado nenhum. O coração vazio. As mãos tremidas. E lágrimas soltas. Os lábios esmorecidos. E o sal do mundo que nunca mais terminará.
Na voz, a dor. E a mágoa a soltar-se, a Tal mergulhada em vermelho rubro. Eram mãos, eram braços, eram cordas de outros tempos. A voz gritava. A Tal definhava.
No escuro estávamos nós. Os mudos. Os cegos. Os tristes. Somos os que assistem à dor. A dor que nunca partiu deste pedaço de terra amaldiçoado pelos Homens-Sábios.
Coleccionamos memórias, nunca nossas. Arrebanhamos e colocamos a um canto tudo aquilo que coleccionamos. Mas coleccionamos crimes. Dores. Pedaços de vida que não voltam. Outros coleccionam coisas. Nós apenas queremos recordações. Nunca nossas, porque não as conseguimos ter. Almadiçoados fomos na negra noite, e apenas sobrevivemos na esperança de um crime, de uma dor, de um olhar partido em mágoa e desespero.
Um dia, surgimos do nada. Fomos povo desconhecido por milénios, respirando e vivendo por existir apenas, sem nada que nos enraizasse nesta terra chamada Makim. Um dia, o Homem-Sábio chegou. Arrancou árvores, matou plantas, envenenou raízes. Matou milhares. Milhares de nós. Sem o saber.
Nunca nos mostrámos. Somos apenas espiões da noite escura, vamos de casa em casa, na sombra de cada credo, espreitar o coração de cada Homem-Sábio, o sonho e o desejo. Sabemos sempre quando a Negra virá. Sabemos sempre quando a Dourada se fará surgir. E quando o fogo virá devorar as casas, e os remoinhos levar os homens. Temos feito. Temos dito. Um dia a nossa colecção terminará.
Talvez prefiram chamar-nos demónios. Gostamos de ouvir o nosso nome uno. Apenas esse. Caos.

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