Espelho

Distorcido, disforme, distinguido
na arte de bem e mal dizer.
Múltiplas formas.
Eis que o mundo se rege por ti,
dizem as más línguas...
E todos aguardamos pelo teu final.

Confesso. Adoro espelhos. Mirá-los na arte de bem reflectir, do trabalho do artesão, quando se trata de um espelho mais ou menos elaborado, apreciar-lhe a forma e a utilização ideal: será espelho de quarto, de hall, de casa-de-banho, de sala…? Vivo numa casa controlada por espelhos. E durante anos nem me dei conta disso. Talvez vivamos todos assim: controlados pelo espelho? Mas será isso necessariamente mau...? Confirmo. Adoro espelhos. E apenas me apercebi deste domínio silencioso nas nossas vidas, quando visitei, há tempos, dois conhecidos quase desconhecidos. Topei-lhes a casa na ausência de barulho mas na regência imperial dos espelhos. E podíamos ver-nos no elevador, no hall de entrada, no grande corredor da casa, polvilhado de espelhos de vários tamanhos e feitios, na sala, um espelho de lés a lés, sem falar nos quartos, espelhos no tecto, no chão, incrustados no guarda-fatos…
E se fiquei agoniada digo-vos porquê: fiquei com a sensação que daquela visita pouco recordo as pessoas que me receberam (a culpa é todinha deles, ou dos espelhos, ou de mim que não consigo abstrair-me quando algo me incomoda); mas, para além do espanto em cada espelho, ficou-me na memória a minha pessoa reflectida em cada um deles (ó narciso…).
E vocês bem sabem que um espelho à nossa frente, ou ao nosso lado, ou até atrás, estejamos onde estivermos, chama por nós...