Na encosta da muralha, o mar batia furioso.
O vento uivava e tu sorrias languidamente.
Dos teus olhos, saltavam poemas de amor febris.
Das mãos, as rosas purpúreas do que tens dentro de ti.
Eu tentava agarrar-te e tu, sempre fugindo, sorrindo, soltando rosas purpúreas
pelo mar bravo.
Na tua alegria, levitavas. Na febre, o delírio afastava-te de mim e fazia-te fugir para a encosta da muralha. Sorrindo, e soltando poemas de amor.
Eu podia até dizer-te: é só um sonho. Amanhã, o dia será outro, será quente e morno e o mar estará calmo e tranquilo. Mas não é um sonho. É a realidade da doença que te leva de mim e te destrói por dentro: os espinhos, o sangue, a febre, a dor...
Todos os dias acordo na esperança. Na esperança de te curar com todas estas forças que se acabam e recuperam todos os dias, que se renovam na expectativa de te ter de novo para mim. Que fujas dessas garras e voltes a ser apenas minha.
Eu podia até desistir. E perder-te nesse teu delírio de dias de desespero. Esquecia o mar e o vento e tu deixarias de ser aquilo que és, o teu sorriso, as tuas mãos e esses cabelos, tão sedosos. Eu podia até revoltar-me e perder-me no meu delírio. Afogar-me em mil
remoinhos de absintos e sufocar-me em dez mil beijos de ópios. Mas tu és mais forte. O querer-te é mais forte. A doença é mais forte, mas não mais que a recordação, o sentimento do que fomos. Do que somos. Do que nos faz viver... E respirar. Neste lugar, nesta encosta da muralha que não largas, não sei o que fazer. Sinto-me fraco e oprimido. Sinto-me louco e reduzido a nada. Tu foges de mim, sorrindo e olhando-me com os teus olhos de poemas de amor, soltando de quando em quando rosas purpúreas pelo mar bravo...
Antes de te conhecer, Joana, tudo era diferente.
Não existia sol nem chuva, frio ou calor. Tudo permanecia imóvel e desinteressante, as cores, mortiças, em decomposição, eram só o espelho de uma vida que se arrastava pelas ruas do Tempo. Limitava-me a respirar. A correr pelos espinhos, rompendo-me de quando em quando. A dor não era nada, a dor era tudo. Talvez o único que sentia.
Antes de te conhecer era tudo assim, cinzento, neutro, sem paladar, um vazio de
mundos e ruas desertas, um vazio de horas vagas e soltas por preencher. A vida era apenas algo incontornável.
Olhando-te nessa cama, percebo que desperdicei tudo o quanto poderia ter aproveitado. Quem sabe, se o tivesse feito, não te teria conhecido antes e vivido anos e anos junto a ti?
Mas não existia a força nem o desespero que me move agora. Antes tudo era pior, tudo era sofrível, tudo era demasiado lento e obscuro.
Depois foi a revolução, a agitação, a sede e a fome de mais e mais e mais...
Hoje... Hoje... só sei que tudo o que tenho, tudo o que sinto são amostras do
que me ensinaste. Eu luto e luto e caio e luto. Luto para não perder o rumo, a
lucidez, a força.
Para não me perder. Para não te perder a ti no meio dessa monstra que te devora...
22 novembro, 2005
A Muralha
by Lunaris
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Sorrisos e olhos de poemas de amor... muito bem. ;)
ResponderEliminarhmmm... isso é tudo real ou é ficção? Gosto mais da tua prosa, alias, gosto mt mais de prosa, até a acho parecida com alguns textos meus... em todo o caso de for real, é de todo parecido com o meu real, com o meu viver :)
ResponderEliminarum beijo